quarta-feira, 27 de junho de 2007

Um amor de procissão

Há uns tantos anos atrás,mais precisamente no início dos anos 90,1990...1991.Trabalhei numa escola de música,no Rio.Dei aulas de violão lá,por uns quase 3 anos.Mas o que eu vou contar aqui ,aconteceu no primeiro ano em q estive lá.

Como já disse,eu dava aulas de violão e havia um outro professor que dava aulas de piano,ele chamava Wilson,um ex-seminarista.Nós éramos bem diferentes,eu com 19...20 anos ,ainda sem a certeza de ter saído da adolescência,ele era um pouco mais velho e sem a certeza se ainda era ou não, um futuro padre.Eu era o Roqueiro cabeludo,ele era o tímido erudito.Ele morava na escola,já que a sua família morava no interior do estado do Rio,eu dava aula alguns dias da semana.Provavelmente não fomos um com a cara do outro logo que nos conhecemos.

Eu dava aula na sala menor ,que nem era tão pequena assim,onde havia um ventilador, de 3 pás, que me agraciava mais com o barulho do que com o vento.Ele dava aula na sala grande,onde tinha o piano e também um ar condicionado.E foi devido a esse ar condicionado que passamos a conversar mais.Devido o calor insuportável ,no Rio,quando eu tinha um intervalo e ele também,eu ía prá sala dele,me sentava num sofá,aproveitava o ar siberiano daquela sala,enquanto ele tocava temas clássicos ,um atrás do outro,ao piano.Por vezes cochilei e isso era fácil,uma equação simples;eu de ressaca,o ar condicionado e a música clássica.No início imperava o silêncio e algumas poucas palavras sobre o calor que fazia lá fora.Isso claro,quando ele não estava tocando.Mas com tempo criamos respeito,uma amizade ,apesar das diferenças.Eu contava as minhas histórias,ele sempre ouvia curioso,como se não pudesse imaginar as coisas que eu estava falando e sempre me perguntava os detalhes,de um bar, de uma garota, da cerveja com os amigos.Ele queria saber tudo,como uma criança quando pergunta ao pai o significado de algum palavrão.Quando comentávamos sobre alguma garota,passando na rua, ser ou não gostosa e coisas do gênero,ele sempre dava uma risada nervosa,com uma certa culpa de ter imaginado o quanto ele imaginou.

Em contrapartida,eu lhe perguntava sobre o seminário,o porquê dele ter decidido entrar lá e ser padre e o porquê dele ter saído.Bom, o porquê dele ter entrado era um daqueles papos de chamado e vocação.O porquê dele ter saído?Bem,era uma garota...

Logo pensei..."sensacional, que coisa mais cinematográfica,mais romanceada!!!".Na verdade,era muito mais ainda,quando Wilson,timidamente me confessou que a guria era uma ex-noviça,ou melhor ,passou a ser ,quando eles se conheceram e digamos,nasceu esse amor,como ele mesmo dizia.Mas não pára aqui esse começo da história,ele me falou ainda que eles se conheceram numa procissão ,ou peregrinação,onde se encontravam alguns grupos religiosos.Ela era de Curitiba,ele do Rio e acho que se conheceram num encontro desses,no estado de São Paulo,eu diria um meio do caminho,prá se largar a vocação e o chamado de Deus.

E essa era a crise existencial dos dois,abandonarem o caminho do sacerdócio.Tudo bem que não tem ,entre os 10 mandamentos,um que diga; "Não largarás o teu hábito ou batina por um amor de uma mulher ou homem".Mas eles tinham uma crise de consciência enorme,sem contar ,a distância.Ele me perguntava se eu achava que haveria futuro na história deles,eu não dizia nem que sim,nem que não.Mas por dentro eu torcia e muito por aquela história de invejar a muitos roteiristas de cinema e t.v. ,por aí.

E prá ser mais preciso,Wilson estava longe se ser um Padre-Galã, de novela ou filme.Ele era magro,bem franzino,andava normalmente com a cabeça baixa,sempre perdido em algum pensamento ,como se estivesse rezando um terço.Prá compôr aquele corpo miúdo,uma cabeça grande,tal qual uma bola,lábios bem finos,um cabelo ondulado,curto,mas bem cheio.Tímido,sem saber o que é ter um papo prá flertar com uma guria.Dela,vi uma foto ,mas nem lembro mais como era.Mas bem sabemos que não é bem assim que as coisas funcionam,beleza pode ser fundamental,mas os feios também herdarão o Reino dos Céus.Ou pelo menos ,eles tem o direito de dar uma escapada das cercanias do Vaticano.

Eles se viram em algumas oportunidades,normalmente em encontros religiosos,seja em curitiba ,ou no interior de São Paulo,lá ía Wilson,com uma mala,cheio de esperança e ansiedade e normalmente voltava com mais esperança e ansiedade.As vezes tinha que enfrentar as brincadeiras do dono da escola,que numa hora dessas,já sabia de toda a história.As brincadeiras,eram sempre sobre a possibilidade do Wilson ter ou não bolinado a moça,caso não,quando ele a bolinaria.Wilson,ficava sem graça ,mas com o tempo,começou a se achar malandro,e tentou entrar no clima da sacanagem em si,mas nesse quesito,ele era realmente um fracasso,ou tinha uma tirada sem-graça,ou era tão ingênuo que acabava dando mais argumentos para o outro zoá-lo.

De tempos em tempos,chegavam as cartas da Ex-noviça,sim gurizada,não havia e-mails na época.E o ritual era o mesmo,ele pegava a carta,ía até a sua sala,fechava a porta.Um tempo depois, ou saía empolgado ,saltitando timidamente,ou saía reflexivo,ou ficava lá e tocava uma música ao piano,as vezes era uma melodia tensa,em outras,suave.Pelo o que ele tocava,já podia se saber o conteúdo da carta.Até que um certo dia,ele recebeu uma carta dela,seguiu o seu ritual,metodicamente ,como sempre.Mas havia uma diferença dessa vez,ele não saía da sala e nem tocava o piano.Dei uma aula, duas aulas e nada dele aparecer.Ao final da minha segunda aula,começei a ouvir o piano e a música era de uma tristeza de beliscar ladrilhos.Em seguida,ele saiu,perguntei como ele estava,perguntei só por educação,porque a resposta era óbvia.Ele me falou com a voz baixa: "Ela voltou para o convento...".Sim ,ela havia desistido da história deles,Wilson perdeu prá Deus,ou prá Igreja,ou prá vocação,prá sopa do convento,prá distância.Não sei,mas com certeza ele perdeu a fé que ele tinha num certo futuro ,que ele imaginava.E eu ,percebi que até no mais perfeito dos roteiros,na vida real,o final não é ,nescessariamente,feliz.

Pouco tempo depois,ele voltou para o interior do Rio,prá morar com a família,não soube mais dele,não sei se ele voltou a ser padre,se aprendeu a fazer piadas sacanas,se bolinou alguma mulher,se ainda tocava piano.Ou até mesmo, se ele virou um padre que conta piadas sacanas e bolina beatas ,enquanto toca um piano.Não nescessariamente,nessa ordem.


Por onde andará Wilson?

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Nada muito além do espelho de um provador

Bom,hoje devo pagar uma dívida com a minha amiga e aniversariante desse dia 13, a Blogueira que foi uma das minhas inspirações,com o seu blog,prá que eu começasse o meu.A Nanda ,que fez um tal de Même, em seu blog. Isso há mais de um mês atrás e conclamou aos seus blogueiros amigos que também fizessem o tal do Même.Que nada mais era que falar de cinco coisas legais prá se fazer na sua cidade.

Da mesma forma que demorei a fazer o que ela havia me pedido,o farei de modo diferente,sim,sou um rebelde sem causa.Na verdade,moro há 2 anos e meio em Nova Friburgo,acredito que tenham 5 coisas legais prá se fazer aqui que eu possa indicar,mas só vou falar de uma,que dependendo de quem for ler ,vai ser legal ou não.

Vou tentar começar de forma clara...Nova Friburgo ,além de montanhas,cachoeiras,ar puro,frio,rios e cães de rua.Também tem muita,mas muita calcinha e sutiã!!!!
É que aqui é a Capital da moda íntima,se não me engano a cidade é responsável por 25% da produção nacional.Com dois circuitos de lojas aqui,o de Olaria e o da Ponte da Saudade.

E é do segundo que eu quero falar;nele se encontra a rodoviária Sul,é a entrada da cidade.É um lugar terminantemente perigoso,de um lado da estrada ,a RJ-116 , a rodoviária,onde já se tem um tanto de lojas e do outro,pequenos prédios ,pequenos shoppings repletos de lojas de lingeries e afins. E o porquê do perigo está na alta densidade de mulheres tresloucadas,elas atravessam de um lado para o outro,totalmente absortas,caminham no asfalto vislumbrando a vitrine de uma determinada loja a 20 metros delas,onde possivelmente viram alguma peça que será a salvação do seu casamento e nem dão atenção aos carros que por ali passam.Então digamos que se deve passar de carro nesse trecho ,com muita prudência e uma poderosa buzina,com potência suficiente prá acordar do transe uma dessas moças distraídas.Sem contar o mar de Out-doors com moças bem torneadas em trajes de cama,mesa e banho.Um paraíso para os Onanistas.

Tem lingeries de todo tipo,básicas,caretas,apimentadas...digamos que no Natal,vai ter lingerie de Mamãe Noel e na Páscoa vai ter alguma calcinha com um rabinho de coelho.E mais outras variações de lingerie sensual,algumas de gosto duvidoso,que podem fazer a felicidade de um casal,ou no mínimo gerar boas risadas para alguns maridos.
E são eles,os maridos ,que possuem um papel secundário ,mas fundamental ,em todo esse cenário.Eles são divididos em 3 categorias:

Os Tolos-ficam dentro do carro,ouvindo notícias no rádio,acreditando que a mulher vai demorar uns parcos 15 minutos procurando suas pequenas vestes entre trocentas lojas,normalmente ,eles acabam cochilando no carro e babando no vidro.Quando as mulheres voltam,eles estão com uma dor aguda no pescoço.

Os Inquietos-Que também não deixam de ser tolos.Ficam do lado de fora do carro,encostados na porta,balançando as chaves do carro,vasculhando tudo a procura da esposa ,prá lhe fazer cara feia e dizer que já é hora de ir embora.Detalhe,nunca as encontram,ficam bufando e ganham uma dor incômoda na panturrilha.

Os conformados-Aproveitam que tem um bar do outro lado da rua,sentam lá,olham a tv,as vezes dão sorte de estar passando algum jogo,bebem alguma coisa,pedem um salgadinho e no máximo correm o risco só de ter uma dor de barriga,caso o salgado não lhes caia bem.

Outro personagem importante,é o da(o) sacoleira(o). Como a rodoviária,é logo ali,o sacoleiro vem do Rio,Niterói e de mais outras cidades,comprar tonéis de lingerie,prá vendê-los lá no litoral.Descem do ônibus,atravessam a rua,compram,atravessam a rua,sobem no ônibus e vão embora,sem contar os que vêm nas vans,que fazem quase a mesma coisa.Talvez se você perguntar prá alguma dessas pessoas o que elas conhecem de Nova Friburgo,elas digam que não conhecem nada muito além do espelho de um provador qualquer.

Poderia se dizer,sem exagero nenhum que esse circuito de moda íntima estaria prás feministas dos anos 70 como as Torres Gêmeas prá galera lá do Bin Laden,elas jogariam aviões em cima.

Ah sim,tem cuecas também,aliás ,tem umas Samba-canção de ótima qualidade,eu aprovei e indico e elas sempre são um bom álibi prá demora das esposas.Tem pijamas também,camisolas ,meias,pantufas,mas nos out-doors,só lingerie,afinal ,essa é uma cidade encravada nas montanhas.


Esqueci de dizer que nas lojas, você também encontra Lingeries turbinadas.

sábado, 2 de junho de 2007

A farra do Boi deprimido

Fim de semana desses,fui tocar numa cidade aqui perto. E lá estava eu num ônibus de bancos apertados,com o meu violão e uma mochila.A moça da rodoviária aqui ,me disse que o ônibus iria vazio, tal foi o engano dela ,que não só ficou cheio,como havia um revezamento de pessoas que desciam e subiam,em suma o ônibus,parando a todo momento, era o que se chama de "Cata-corno".
E é exatamente isso que fazia a viagem tornar-se mais longa.Tantas pessoas sentaram do meu lado,saíram e entraram outras em seu lugar.Como era a primeira vez q eu ía a essa cidade,fiquei atento à viagem e não dormi como de costume,o que fez o trajeto ficar mais longo ainda,isso sem contar que o ônibus quando não estava parado,ía muiiito devagar,por causa das condições da estrada.
Num determinado momento,como que por milagre,ele começou a acelerar.Era uma parte boa da estrada e não havia ninguém prá descer ou subir,um otimismo tomou conta de todos ,enfim parecia que íamos algum lugar.Mal começei a perceber a satisfação vindo dos olhos de todos alí,quando o digníssimo coletivo deu uma freiada brusca.Como eu estava na janela e havia muita gente em pé no corredor,não pude ver o que acontecia.Perguntei a uma moça ao meu lado,que até então eu não havia percebido que era outra e não mais a que estava antes,o que havia acontecido.Ela me respondeu "Bois".

O ônibus voltou ao seu passo vagaroso , buzinava e piscava os faróis.Foi então que os bois começaram a passar ao lado do ônibus e então pude vê-los.A moça ao meu lado também e fez um comentário:"Boi branco,tinha quer ser boi branco..."
Fiquei curioso e perguntei o que havia prá culpa ser do boi branco,já que entre os bois que vi,só tinha um branco.Ela me disse:

_Eles são loucos!Cheia de uma enorme certeza.
_Como assim loucos?Retruquei.
_Loucos..ora...suicídas,sempre se jogam na frente de ônibus,carro, o que tiver vindo na estrada.
_Mas só havia um boi branco?ela ignorou isso que eu disse.Insisti ,perguntando qual o motivo deles serem suicídas.
_Acho que tem a ver com esse negócio de serem castrados...não é Cileide?Tentou ela confirmar com a amiga q estava no banco do lado e a amiga confirmou com um só movimento da cabeça.
_Mas, partindo do princípio que são bois ,não seriam todos castrados,o branco,o preto,o malhado?Continuei na minha questão.
_é...mas...ah ,sei lá,só sei que são loucos.Disse ela,já demonstrando impaciência por eu estar indagando tanto um fato , que prá ela era totalmente verdadeiro.

Não pude fazer mais nada,entrei numa equação existencial e a minha vontade era de levar àquela moça do meu lado o que se passava na minha cabeça e disparar mais perguntas a ela.Mostrar-lhe que não havia nada de racional no que ela havia dito.Como poderia um Boi branco, se tornar um suicída?Haveria racismo no pasto?Seria a ausência de chifres que o deixava deprimido?Eu poderia até avisá-lo que nos humanos , a presença de chifres é que leva a depressão.Teria ele contas a pagar?Um filho que não lhe desse orgulho?Não,isso não poderia, como falado antes,ele era castrado.Então seria isso?A castração?Mas os bois de outra cor,também são castrados.Voltei ao mesmo ponto que abordei com ela e eu ainda na mesma crise.

Poderia ser uma castração pessoal,social,psicológica... É,essa seria a idéia central ,a castração em todas as suas formas.A castração pessoal, a pessoa reprimida achacada em sim mesma.Seja pelos pais,pelos colegas de escola ou do trabalho,pela igreja,pelo governo,pela justiça.A castração social, a falta de grana,de condições decentes prá viver,não ter um troco sobrando prá beber uma cerveja entre amigos. Ou a castração psicológica,devido a um trauma,uma neurose,uma fobia.
Mas isso tudo se atém a aspectos humanos ,isso tudo pode levar uma pessoa a ficar deprimida,paranóica ou até ao suicídio.E agora?

Pensei,pensei e desisti de falar qualquer coisa a mais sobre isso prá moça ao meu lado.Melhor seria realmente ela ter essa sentença ligada a realidade do Boi Branco.É muito mais reconfortante e divertido prá qualquer um, pensar assim.E imagina então falar disso num churrasco?

Seria essa a representação de uma vida despedaçada,ou o
mapa de um bom churrasco?