Há uns tantos anos atrás,mais precisamente no início dos anos 90,1990...1991.Trabalhei numa escola de música,no Rio.Dei aulas de violão lá,por uns quase 3 anos.Mas o que eu vou contar aqui ,aconteceu no primeiro ano em q estive lá.
Como já disse,eu dava aulas de violão e havia um outro professor que dava aulas de piano,ele chamava Wilson,um ex-seminarista.Nós éramos bem diferentes,eu com 19...20 anos ,ainda sem a certeza de ter saído da adolescência,ele era um pouco mais velho e sem a certeza se ainda era ou não, um futuro padre.Eu era o Roqueiro cabeludo,ele era o tímido erudito.Ele morava na escola,já que a sua família morava no interior do estado do Rio,eu dava aula alguns dias da semana.Provavelmente não fomos um com a cara do outro logo que nos conhecemos.
Eu dava aula na sala menor ,que nem era tão pequena assim,onde havia um ventilador, de 3 pás, que me agraciava mais com o barulho do que com o vento.Ele dava aula na sala grande,onde tinha o piano e também um ar condicionado.E foi devido a esse ar condicionado que passamos a conversar mais.Devido o calor insuportável ,no Rio,quando eu tinha um intervalo e ele também,eu ía prá sala dele,me sentava num sofá,aproveitava o ar siberiano daquela sala,enquanto ele tocava temas clássicos ,um atrás do outro,ao piano.Por vezes cochilei e isso era fácil,uma equação simples;eu de ressaca,o ar condicionado e a música clássica.No início imperava o silêncio e algumas poucas palavras sobre o calor que fazia lá fora.Isso claro,quando ele não estava tocando.Mas com tempo criamos respeito,uma amizade ,apesar das diferenças.Eu contava as minhas histórias,ele sempre ouvia curioso,como se não pudesse imaginar as coisas que eu estava falando e sempre me perguntava os detalhes,de um bar, de uma garota, da cerveja com os amigos.Ele queria saber tudo,como uma criança quando pergunta ao pai o significado de algum palavrão.Quando comentávamos sobre alguma garota,passando na rua, ser ou não gostosa e coisas do gênero,ele sempre dava uma risada nervosa,com uma certa culpa de ter imaginado o quanto ele imaginou.
Em contrapartida,eu lhe perguntava sobre o seminário,o porquê dele ter decidido entrar lá e ser padre e o porquê dele ter saído.Bom, o porquê dele ter entrado era um daqueles papos de chamado e vocação.O porquê dele ter saído?Bem,era uma garota...
Logo pensei...
"sensacional, que coisa mais cinematográfica,mais romanceada!!!".Na verdade,era muito mais ainda,quando Wilson,timidamente me confessou que a guria era uma ex-noviça,ou melhor ,passou a ser ,quando eles se conheceram e digamos,
nasceu esse amor,como ele mesmo dizia.Mas não pára aqui esse começo da história,ele me falou ainda que eles se conheceram numa procissão ,ou peregrinação,onde se encontravam alguns grupos religiosos.Ela era de Curitiba,ele do Rio e acho que se conheceram num encontro desses,no estado de São Paulo,eu diria um meio do caminho,prá se largar a vocação e o chamado de Deus.
E essa era a crise existencial dos dois,abandonarem o caminho do sacerdócio.Tudo bem que não tem ,entre os
10 mandamentos,um que diga;
"Não largarás o teu hábito ou batina por um amor de uma mulher ou homem".Mas eles tinham uma crise de consciência enorme,sem contar ,a distância.Ele me perguntava se eu achava que haveria futuro na história deles,eu não dizia nem que sim,nem que não.Mas por dentro eu torcia e muito por aquela história de invejar a muitos roteiristas de cinema e t.v. ,por aí.
E prá ser mais preciso,Wilson estava longe se ser um
Padre-Galã, de novela ou filme.Ele era magro,bem franzino,andava normalmente com a cabeça baixa,sempre perdido em algum pensamento ,como se estivesse rezando um terço.Prá compôr aquele corpo miúdo,uma cabeça grande,tal qual uma bola,lábios bem finos,um cabelo ondulado,curto,mas bem cheio.Tímido,sem saber o que é ter um papo prá flertar com uma guria.Dela,vi uma foto ,mas nem lembro mais como era.Mas bem sabemos que não é bem assim que as coisas funcionam,beleza pode ser fundamental,mas os feios também herdarão o Reino dos Céus.Ou pelo menos ,eles tem o direito de dar uma escapada das cercanias do Vaticano.
Eles se viram em algumas oportunidades,normalmente em encontros religiosos,seja em curitiba ,ou no interior de São Paulo,lá ía Wilson,com uma mala,cheio de esperança e ansiedade e normalmente voltava com mais esperança e ansiedade.As vezes tinha que enfrentar as brincadeiras do dono da escola,que numa hora dessas,já sabia de toda a história.As brincadeiras,eram sempre sobre a possibilidade do Wilson ter ou não bolinado a moça,caso não,quando ele a bolinaria.Wilson,ficava sem graça ,mas com o tempo,começou a se achar
malandro,e tentou entrar no clima da sacanagem em si,mas nesse quesito,ele era realmente um fracasso,ou tinha uma tirada sem-graça,ou era tão ingênuo que acabava dando mais argumentos para o outro zoá-lo.
De tempos em tempos,chegavam as cartas da Ex-noviça,sim gurizada,não havia e-mails na época.E o ritual era o mesmo,ele pegava a carta,ía até a sua sala,fechava a porta.Um tempo depois, ou saía empolgado ,saltitando timidamente,ou saía reflexivo,ou ficava lá e tocava uma música ao piano,as vezes era uma melodia tensa,em outras,suave.Pelo o que ele tocava,já podia se saber o conteúdo da carta.Até que um certo dia,ele recebeu uma carta dela,seguiu o seu ritual,metodicamente ,como sempre.Mas havia uma diferença dessa vez,ele não saía da sala e nem tocava o piano.Dei uma aula, duas aulas e nada dele aparecer.Ao final da minha segunda aula,começei a ouvir o piano e a música era de uma tristeza de
beliscar ladrilhos.Em seguida,ele saiu,perguntei como ele estava,perguntei só por educação,porque a resposta era óbvia.Ele me falou com a voz baixa:
"Ela voltou para o convento...".Sim ,ela havia desistido da história deles,Wilson perdeu prá Deus,ou prá Igreja,ou prá vocação,prá sopa do convento,prá distância.Não sei,mas com certeza ele perdeu a fé que ele tinha num certo futuro ,que ele imaginava.E eu ,percebi que até no mais perfeito dos roteiros,na vida real,o final não é ,nescessariamente,feliz.
Pouco tempo depois,ele voltou para o interior do Rio,prá morar com a família,não soube mais dele,não sei se ele voltou a ser padre,se aprendeu a fazer piadas sacanas,se bolinou alguma mulher,se ainda tocava piano.Ou até mesmo, se ele virou um padre que conta piadas sacanas e bolina beatas ,enquanto toca um piano.Não nescessariamente,nessa ordem.
Por onde andará Wilson?